terça-feira, 6 de setembro de 2011

Onde é a quadrilha?

"Uma vida completa pode acabar numa identificação 
tão absoluta com o não-eu que não haverá
mais um eu para morrer".
(A Paixão Segundo G. H., Clarice Lispector)


Sábado à tarde fui passear com meu filho no shopping. Fomos fazer os programas de que ele gosta: cinema, game, lanche na Mac, comprar brinquedo na RI Happy (dessa vez era um beyblade - que eu só descobri o que era quando vi, porque segundo a descrição do meu filho era "um pião que não é um pião, mãe!"). Na saída, havia um espaço de diversão: era uma pista de autorama e outra de minigolfe. Deixei meu filho lá e fiquei no café em frente, tomando um capuccino.

Enquanto tomava o café, ia me distríndo vendo as pessoas passarem. Foi então que me dei conta de uma coisa engraçada: um número realmente grande de pessoas usando roupas quadriculadas. Camisa xadrez por cima de outra básica, vestidos, calças. Moças e rapazes assim. Muitos. Todos iguais.

Moro em Recife. Aqui, como em todo Nordeste, a tradição junina é muito forte. Mas já estamos em setembro. Nem nos lembramos mais de São João. Agora os preparativos são para o Natal e o Carnaval de 2012. Então, por que tanta roupa xadrez? Alguém me diria que é a moda. Mas é preciso mesmo estarem todos iguais para seguirem a moda? Houve um tempo em que usar camisa xadrez era apenas em época de São João, do contrário era um "mico". Hoje todos usam, porque alguém disse que deveria ser assim: os menininhos e menininhas mais descolados usam, então todos seguem atrás. O problema é que em algumas pessoas nem cai bem.

Há alguns anos, uma propaganda interessante circulou nos meios midiáticos. Entre outras coisas, ela trazia uma frase da qual eu sempre gostei: "não há nada mais ridículo do que você querer ser o que não é só porque está na moda". A moda faz parte de nossa cultura, e ela nos afeta mais do que imaginamos. Não há motivo de declarar guerra a ela. Não é essa a questão. Mas há uma ditadura sem sentido (como aliás, em qualquer ditaduta).

Eu usaria uma camisa xadrez. Acho inclusive bonitinho. Mas não sinto urgência em comprar uma só porque todos estão usando. É essa aquestão. Lembro de ter ouvido uma conversa entre mãe e filha em que a menina - uma adolescente super fofa - fazia o seguinte comentário: "Preciso comprar uma camisa xadrez, mãe! Todas as minhas amigas têm, menos eu". Como assim precisa? Eu me pergunto: "E daí? Qual o problema de não ter objetos que outros têm? Qual a necessidade de ser exatamente igual aos outros, como se tivéssemos sido feitos em série?"

Seguimos sim os mesmos padrões, porque vivemos em sociedade, sendo assim, temos uma cultura que nos define como sendo um grupo particular, nos dá identidade. Mas somos sujeitos também singulares, podemos ser diferentes e a diferença nos permite crescer, ampliar - e é o que nos destaca do grupo - nos faz únicos, em nossa pluralidade.

Além disso, é preciso usar aquilo que nos faz bem, porque de fato gostamos, porque é confortável, porque nos dá prazer, enfim... Isso é legítimo. O que não é é alegar que se quer comprar algo porque todos têm e isso obriga a ter também.

Tenho 40 anos. Este é um blog dedicado à leitura - seja de textos (em suas mais variadas configurações), seja do mundo, da vida. Era de se esperar, pela idade desta modesta blogueira e pelo teor do blog, um template mais sóbrio, que remetesse à profundidade e seriedade que, de certa forma, isso implica. Em vez disso, borboletas rosa, flores liláses e azuis, em tons pateis. Fazer o quê? Gosto de rosa (meu guarda-roupa está cheio dele), de flores e borboletas. Posso ficar bolando uma série de analogias e simbolismos para essas figuras, mas no fundo as uso porque gosto delas, acho lindas. E isso não faz de mim mais superficial nem mais profunda. É apenas a manifestação do que eu gosto - sou eu, exercendo o meu direito de ser eu mesma.
Barrinha MaynaBaby

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Faça

Quando se quer que as coisas aconteçam, é necessário agir - sair da zona de conforto e tomar as atitutes necessárias. Esperar placidamente não resolve. É claro que nem tudo depende de nós, do nosso esforço. Mas ficar sem ação e se lamentar depois que nada aconteceu e não se conseguiu aquilo que se queria não faz o menor sentido. Eu não sou muito afeita a livros de auto-ajuda, do tipo "O poder sem limites" ou "O poder está dentro de si", mas acho que o olhar e a atitude que temos diante da vida faz uma grande diferença.

Estava pensando nisso enquanto assistia pela enésima vez ao filme Sob o sol da Toscana (2003), de Audrey Wells. O filme conta a história de Frances, uma escritora interpretada pela talentosa Diane Lane (Mar em Fúria e Infidelidade). Começa com Frances vivendo uma crise pós-divórcio, numa letargia doída que comove sua amiga Patti, personagem de Sandra Oh (a Drª Cristina Yang, de Grey's Anatomy), que decide dar de presente a Frances uma viagem de 10 dias pela Toscana, no coração da Itália. É então que o inesperado acontece: Frances, num impulso legítimo e produtivo, compra uma casa praticamente abandonada, chamada Bramasole - "algo que anseia pelo sol". De posse da nova casa - um novo projeto para sua vida - se envolve na reforma, à medida que vai conquistando novas amizades, se familiarizando com a cultura local, o estilo de vida, e vai redescobrindo prazeres esquecidos, como o de sorrir, percebendo que a tristeza e a sensação de estar sem chão não dura para sempre e que ela pode se apaixonar mais uma vez. Ou seja: ainda que nossa jornada seja incerta, há sempre uma segunda chance. Mas é preciso estar aberto para isso. Frances se permitiu uma nova oportunidade, deu um novo sabor à sua vida. Foi intensa. E fez o que precisava para seguir adiante, para não ficar atolada nos pântanos do passado.

A fotografia do filme é espetacular. Os personagens são fantásticos. Alguns emblemáticos, como o velho com flores e a atriz. Mas um elemento é a peça-chave: o uso constante do simbolismo. A partir do nome da casa - Bramasole - que nos convida a nos abrir para o novo, a deixar o sol entrar na nossa vida, nos iluminar a existência. Outro símbolo importante é a reforma - Frances parte numa reforma da casa, mas que também significa reformar seu mundo interior e sua vida prática também. Para tanto, ela necessita de bons parceiros. Precisa também ser cuidadosa, porque toda reforma inclui certo risco; também é cansativo e em certo momento podemos perder a paciência e querer que acabe logo; é um investimento financeiro (e emocional) e às vezes temos receio do quanto vai custar. É preciso sempre ousadia para reformar o que está velho, mas o resultado é compensador. Outro símbolo é o número três - Esse é um número recorrente no filme: Frances leva consigo três caixas em sua mudança; a casa que compra tem três séculos de construída; nela, há três quartos; os trabalhadores que a ajudam na reforma são três; três também são os homens de sua vida (o ex-marido, o amante e o novo amor); Frances faz três preces para a imagem que está na cabeceira de sua cama. O 3 é número cabalístico, cuja interpretação está relacionada ao equilíbrio e à união: 3 figuras da santíssima trindade; três poderes do Estado; três dimensões da condição humana etc. A fonte é mais um símbolo utilizado no filme - uma torneira no meio de sua sala é usada para remeter à própria essência da alma de Frances. De início, Frances nem percebe sua existência; depois, ao enxergá-la, vai abri-la e percebe que ela está seca - em associação ao que diz sua amiga italiana: "você parece um buraco negro", para dizer que ela está seca por dentro. Depois a torneira começa a pingar, indicando que a vida inicia novamente - cada pingo é o indício de que a vida começa a fluir de novo - simboliza o rejuvenescimento. Outro símbolo presente é a figura da joaninha. Esse é um inseto simpático e delicado. Segundo dizem, quando ele escolhe nosso dedo para pousar é sinal de que somos afortunados e temos direito a um pedido - prestando atenção para o lugar para onde ela irá voar, pois é de lá que virá a sorte. Seguindo a crendice popular, o filme mostra na cena final, quando Frances se recosta na cadeira para descansar, uma joaninha pousando no seu braço, querendo indicar que finalmente a vida dela se encherá de ânimo novo, com sorte, felicidade e amor.

Sempre me encanto com esse filme. A alguns pode parecer inicialmente uma proposta açucarada. Mas se mergulhamos na sua tessitura, podemos compreender as peças que engendram nossa própria existência, tecida com fios da realidade tanto quanto do sonho. Mas de tudo o que aborda o filme, para mim, o mais marcante é a atitude da personagem - ela parte para uma nova etapa de sua vida, mesmo com todos os conflitos, todos os receios, toda a carga emocional em que está envolvida dadas as circunstâncias - ela age, se movimenta - faz alguma coisa - sai do plano para a ação. Nem bem há um plano, e talvez seja isso mesmo, não dá planejar cada passo de nossa vida sem ser um pouco neurótico - e a neurose não nos é bem-vinda.

Isso me lembra uma música de Lenine: "Do it", em que ele diz literalmente: quer alguma coisa? Faça: "corra atrás da lebre". Deixo a letra e o vídeo abaixo para vocês fazerem suas reflexões.

Xero dos grandes a todos.


DO IT  (Lenine)

Tá cansada, senta
Se acredita, tenta
Se tá frio, esquenta
Se tá fora, entra
Se pediu, agüenta
Se pediu, agüenta...
Se sujou, cai fora
Se dá pé, namora
Tá doendo, chora
Tá caindo, escora
Não tá bom, melhora
Não tá bom, melhora...
Se aperta, grite
Se tá chato, agite
Se não tem, credite
Se foi falta, apite
Se não é, imite...
Se é do mato, amanse
Trabalhou, descanse
Se tem festa, dance
Se tá longe, alcance
Use sua chance
Use sua chance...
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô!, Hum!...
Se tá puto, quebre
Ta feliz, requebre
Se venceu, celebre
Se tá velho, alquebre
Corra atrás da lebre
Corra atrás da lebre...
Se perdeu, procure
Se é seu, segure
Se tá mal, se cure
Se é verdade, jure
Quer saber, apure
Quer saber, apure...
Se sobrou, congele
Se não vai, cancele
Se é inocente, apele
Escravo, se rebele
Nunca se atropele...
Se escreveu, remeta
Engrossou, se meta
E quer dever, prometa
Prá moldar, derreta
Não se submeta
Não se submeta...
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô, Hum! Nanananã!
Hê Hô! Hum!...(2x)


Barrinha MaynaBaby

sábado, 3 de setembro de 2011

Crônica do Amor

Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

Arnaldo Jabor
Barrinha MaynaBaby