Tecendo a Manhã
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece a manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzam
os fios de sol de seus gritos de galo
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Sou absolutamente apaixonada por esse poema de João Cabral, sobretudo por sua sonoridade e pelas imagens delicadas que ele permite. Há nele passagens lindíssimas. O poema se estrutura em duas partes - representadas pelas duas estrofes que o compõem. E é a partir do significado dos dois primeiros versos que o poema é construído: "um galo sozinho não tece a manhã / ele precisará sempre de outros galos", de maneira que é o canto conjunto dos galos o elemento responsável por compor a manhã. Isso se evidencia nos versos seguintes (3, 4, 5, 6), que, por não estarem concluídos - a estrutura sintática não está completa - indicam continuidade eencadeamento: assim como o canto dos galos - antes de terminar um, outro galo já começa a cantar, como em resposta ao anterior, e assim acontece subsequentemente, de modo que "se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo".
Nos versos "para que a manhã, desde uma teia tênue, / se vá tecendo entre todos os galos", a imagem criada associa-se ao nascimento da manhã. Isso também é evidenciado em outros versos, cujos elementos criam a mesma imagem de manhã sendo tecida:
uma tenda - onde entrem todos
um toldo - livre de armação, em que todos se "entretendam"
tecido aéreo
luz balão
É comum, na poética de João Cabral, o tema do fazer poético. Cabral compôs inúmeros metapoemas, ou seja, poemas que falam sobre como os poemas são compostos. Este texto de João cabral também se insere nessa categoria, se considerarmos a tessitura da manhã como uma metáfora para falar da tessitura do texto poético.
Há também, em João Cabral de Melo Neto, um importante investimento na forma, uma vez que ele se preocupa em construir o poema palavra por palavra, assim como om operário constrói o edifício tijolo por tijolo, esquadrinadamente. É o próprio Cabral quem fala: "sou um poeta intelectual, ñão sou lírico; sou um poeta construtor, construtivista, e não um poeta espontâneo".
Há também, em João Cabral de Melo Neto, um importante investimento na forma, uma vez que ele se preocupa em construir o poema palavra por palavra, assim como om operário constrói o edifício tijolo por tijolo, esquadrinadamente. É o próprio Cabral quem fala: "sou um poeta intelectual, ñão sou lírico; sou um poeta construtor, construtivista, e não um poeta espontâneo".
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