quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Bruno de La Rosa


Dono de uma voz marcante e de uma presença de palco que representa a exuberância de seu talento, Bruno de La Rosa é o grande nome novo no cenário da música brasileira. Nascido no Boqueirão (SP) e tendo vivido na noite santista, onde aprendeu muito sobre música e sobre as relações humanas, Bruno é um exímio instrumentista, compositor de primeira grandeza e um cantor de voz profunda e extensa. Seu timbre lembra muito o de Chico Buarque, e seu estilo também - impossível não relacioná-los - é clara a influência desse ícone da MPB na formação de La Rosa. O que, na verdade, é algo recorrente na arte, haja vista que cada artista se identifica com outros que tenham lhe servido de base, sem que isso represente cópia, imitação. Bruno de La Rosa tem identidade própria, é singular em sua pluralidade, tem uma assinatura particular, e isso lhe confere o mérito ao seu trabalho.

Numa época em que o público em geral dá ênfase a músicas mais palatáveis e menos densas, Bruno - que faz questão de dizer que não está imerso em um saudosismo doloroso e infértil - é um músico que gosta de beber na fonte, assim, é um apaixonado por músicas mais antigas, que estiveram na constituição do escopo da MPB e são referenciais importantes, uma vez que, para ele, não há como compreender a tessitura do presente sem um olhar cuidadoso sobre o passado.

No entanto, superando o clichê de que supostamente há música boa ou música ruim, Bruno diz que ouve aquilo de que gosta, que lhe emociona, que lhe faz sentir algo diferente dentro de si. Procura também ouvir de tudo, porque considera necessário uma amplitude auditiva, uma compreensão mais encorpada, justamente para estimular sua criatividade e torná-la mais rica.



Abaixo, seguem alguns vídeos com esse artista sofisticado, que esbanja simpatia e talento.










Barrinha MaynaBaby

domingo, 27 de novembro de 2011

Paralelos


Eram tão diferentes, tudo conspirava contra os dois, pouco havia de comunhão. Mesmo assim, aconteceu de seus destinos se cruzarem numa das voltas dessa roda-viva que se convencionou chamar existência.

Ele era um menino. Lindos olhos e sorriso desabrochado ao vento. Aliás, foi o sorriso que a encantou. Da vida, pouco sabia. Tinha a inquietação típica das almas prenhes de juventude, mas, ao mesmo tempo, um gesto manso. Era, a um só turno, meigo e arrebatador.

Ela era uma mulher. Uma mulher inteira, completa, de uma maturidade terna. Mas os olhos de menina revelavam uma personalidade vivaz, um caráter cativante. Tinha uma beleza madura e sensual, um jeito de se mover que fazia todos paralisarem diante dela, uma voz suave, um olhar meigo e adolescente que cativava e seduzia. Embora da vida tivesse muito o que dizer, tinha mesmo uma fome de viver legítima e apaixonante. A vida, para ela, era sempre agora.

Os dois se sabiam antes de se conhecerem. Quando se viram, logo entenderam que seriam um do outro. Nada foi combinado, definido antecipadamente. Não era preciso explicação, não se exigia esclarecimento. Bastava aquela compreensão de que o inevitável aconteceria.

Se para os dois, no seu mundo particular do amor, tudo era muito natural, para as outras pessoas, as mais próximas, aquilo era um desatino.

"Como Pedro vai se arrumar com uma mulher dessas? Não tá vendo que ela não tem idade para se envolver com garotos?". "Pouca vergonha, isso sim!".

"O que foi que uma mulher como Gabi viu num menino daqueles?". "Quase podia ser seu filho!". "O que ele tem a oferecer a ela?".

Gabi pouco queria saber o que Pedro oferecia. Ou melhor, sabia sim: Pedro oferecia seu afeto, oferecia seus carinhos tímidos, seu sorriso arrebatador. Oferecia sua juventude cheia de brilho, de movimento, de vida em pulsação latente. Isso fazia Gabi sentir-se uma menina, enrubecida pala sedução despudorada de Pedro.

Pedro, por sua vez, não via em Gabi suas marcas de expressão, enxergava para além disso, percebia a mulher forte e frágil ao mesmo tempo, a sua suavidade, a sua doçura, o seu desejo de viver em plenitude, a sua segurança tranquila e a forma mágica de sorrir e dizer "calma, tudo vai dar certo!". E dava. Impressionava a sua sensualidade madura e ao mesmo tempo inquieta, o olhar buliçoso, o jeito de sorrir abaixando os olhos, o modo de dizer baixinho "eu te amo!" ao seu ouvido, depois do amor.

No início, Gabi se sentia insegura. Foram tantas as decepções em sua vida que ela não acreditava despertar um interesse real, desprovido de intenções duvidosas. Havia criado uma espécie de couraça, uma capa protetora, para evitar sofrer. Mas isso era terrível para ela. Primeiro, porque era da sua natureza acreditar nas pessoas - e resistir a isso era difícil, quase um tormento; depois, porque essa resistência a fazia pensar que o problema estava nela, era ela - e não os outros - que não tinha predicados suficientes para fazer alguém interessante apaixonar-se por ela e desejar comprometer-se. Além disso, sentia-se só, queria viver uma linda história, mas achava que isso não mais aconteceria com ela.

Já Pedro sequer pensava em qualquer problema. Encantou-se por Gabi. Tinha por ela desejo. E, certamente, sentia-se mais forte junto dela, afinal era o menino que conseguia conquistar a mulher madura e bem resolvida. É claro que isso lhe dava uma sensação de poder. Mas conviver com Gabi foi lhe possibilitando maior amadurecimento. Pedro passava como um trator por cima de tudo, não media consequências; queria tudo para hoje, sem entender por que às vezes não podia ser assim - era ansioso e impaciente. Com Gabi, aprendeu a olhar para os lados, a perceber a beleza do caminho, a aproveitar o percurso, a rir dos tropeços, a esperar o tempo certo para colher as frutas.

Os paralelos de suas vidas se cruzaram. Sempre muito racional, Gabi dizia para si mesma que deveria ser uma ilusão de ótica, como acontece com os trilhos do trem; mas não era lá longe que se via esse entrecruzamento de emoções, era aqui perto, era no agora - desconsiderar isso era tentar negar o sentimento real que os encapsulava.

Enfim, ela decidiu que viveria um dia de cada vez, que não queria a felicidade toda em dose única, como no fim de um filme, queria em prestações diárias. Acordava de manhã, enchia os pulmões de ar, olhava para Pedro que dormia um sono manso e despreocupado, e decidia que seria feliz naquele dia.

Assim seguiram com suas vidas, com o pacto de que iriam procurar se compreender antes de qualquer embate, sabendo que, no núcleo do respeito que nutriam um pelo outro, havia sinceridade de intenções. Era um pacto muito simples: seriam amigos, antes de serem amantes - jamais deixariam de ser, porque seriam de um tipo raro, os verdadeiros, e sendo assim não haveria possibilidade de mutação - seriam amigos a vida inteira, que é como são os amigos de verdade.

Preocupados em garantir a felicidade do outro, esqueciam a busca frenética por lampejos fugazes de felicidade particular; queriam uma felicidade compartilhada, uma felicidade plural. E perceberam que ela não está nos momentos apoteóticos, está nos gestos simples, nas coisas mais prosaicas, nas revelações cotidianas do amor.

Seguiram assim suas vidas, enredados numa teia de generosidade e delicadeza que constituía a tessitura desse sentimento que se expandia e se dilatava dentro deles.    
Barrinha MaynaBaby

sábado, 26 de novembro de 2011

Salve, Jorge!


Quem me conhece sabe da minha paixão por Jorge vercilo. Sou fã de carteirinha, não apenas de seu talento, mas de sua personalidade, de seu gesto sempre muito amável e generoso, da forma carinhosa e gentil de interagir com seu público. E como se isso não bastasse, é bonito e cheio de charme, dono de um sorriso que nos deixa derrubadamente enfeitiçadas. Um show de Vercilo é delicioso. Entre tantos a que já fui, um deles me marcou, porque a paisagem foi um complemento importante para a magia daquele momento: um que aconteceu em Recife, no cais do Catamarã, às margens do Capibaribe. Sem dúvida, uma cena que ficará gravada para sempre na minhas retinas.

Suas composições são extremamente sofisticadas do ponto de vista imagético. O uso impecável de figuras de linguagem, o modo particular de dizer as coisas fazem de suas letras algo maior - para além da discussão quanto aos gêneros do discurso, suas letras são verdadeiros poemas, delicados e profundos ao mesmo tempo. É o caso de Fênix, Asas Cortadas, Encontro das Águas e Avesso, entre tantas outras.

Vercilo fala das coisas mais prosaicas com graça e de forma surpreendente, fugindo ao lugar-comum. Em Avesso, o autor diz: "você pode me encontrar no avesso de uma dor" - tem forma mais interessante para falar de prazer e ainda assim, manter-se dentro do mesmo campo semântico da letra - que fala de sofrimento? Fazendo uso rasgado da poeticidade,Vercilo nos faz sonhar: "enfim, passeia tua boca em mim até me calar", faz desejar um beijo assim - fundo e calmo até a alma se sentir beijada, como diria Chico Buarque.

O repertório desse cantor, compositor e violonista carioca, formado em Jornalismo, é marcado, portanto, por canções de lirismo profundo. Com um trabalho sério e altamente produtivo, Vercilo realiza seu sonho, que é conseguir gravar as músicas que compõe do seu jeito. O músico, que teve como principal influência Djavan, uma referência na música popular brasileira, gravou seu primeiro disco - Encontro das Águas - em 1993. Desde então, são 14 CD e 5 DVDs.

Uma delícia ouvir suas músicas. Sempre. Deixo, então, para vocês, meus queridíssimos amigos, algumas músicas de que gosto muito. Espero que se encantem, beijo dos grandes a todos.








Barrinha MaynaBaby

Florbela Espanca


Em vida, Florbela Espanca foi praticamente ignorada pela crítica, e mesmo pelos apreciadores de poesia. Isso lhe causou uma angústia tão significativa que fez com que perdesse a vontade de viver. Na verdade, desde seu nascimento, foi marcada pelo incomum e pelo dramático. Filha de João Maria Espanca, Florbela tinha como mãe uma mulher escolhida para concebê-la, mas que não era esposa de João Maria. Esta - Maria Toscano - não podia ter filhos e, cumprindo uma tradição medieval, João Maria escolhe uma mulher com quem possa ter filhos, Antônia da Conceição Lobo, com quem também teve outro filho - Apeles. Abandonados por Antônia, Florbela e Apeles passam a viver com João maria e sua esposa.

Desde cedo, Florbela vê aflorar sua veia poética, assim como também desde muito cedo demonstra propensabilidade para a melancolia. Aos 7 anos (1903), escreve seu primeiro poema - "A Vida e a Morte" - cuja temática e tessitura desvelam um caráter taciturno e sombrio, claramente melancólico, o que se constituirá na tônica de seu fazer poético.

Adicionar legenda
Alguns fatos - além do seu nascimento - contribuíram para o ensejo dessa melancolia que a acompanha por sua breve jornada. Florbela casa-se três vezes - nos dois primeiros casamentos, frustração e tristeza: o primeiro separa-se dela para viver  com uma empregada da casa, com quem mantinha um caso não tão velado, obscurecido apenas pelo silêncio complascente de Florbela. Dois abortos espontâneos impediram sua maternidade, sendo o segundo responsável pela sua segunda separação, o que faz com que sua família corte relações com ela.Em 1927, morre Apeles, seu único irmão, em um trágico acidente. Florbela, que desde o segundo aborto demonstrava sinais claros de neurose, abala-se sobremaneira e tem sua doença agravada de maneira importante - nunca mais Florbela foi a mesma. Envolve-se sofregamente na produção de Máscaras do Destino, livro de contos dedicado ao seu irmão. Em 1930, aos 36 anos, Florbela encerra o Diário do Último Ano com uma frase significativa: "... e não haver gestos novos nem palavras novas". No dia 8 de dezembro deste ano, data de seu nascimento, Florbela põe fim à sua vida, ao ingerir dois frascos de veronal.   

Publicou em vida dois livros de poesia, Livro da Mágoa (1919) e Livro de Soror Saudade (1923), ficando Charneca em Flor (1931), Juvenília (1931) e Reliquiae (1934) para serem publicados postumamente. Seus versos são fortes, viscerais, denotam exaustão e desilusão, desencantamento, com uma carga importante de sensibilidade. Considerada a figura mais importante do universo poético português, sua obra se constitui num misto de evocação de suas próprias experiências amalgamados à sua fantasia e criação estética.
Impossível não se envolver na profundidade ensejada nos textos de Florbela.


Fanatismo


Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não é sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo, tudo passa..."
Quando me dizem isso, toda a graça
Duma boca divina fala em mim
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah, podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como um Deus: Princípio e fim!"


Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E é ele, ó meu amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Barrinha MaynaBaby