Na madrugada de hoje, assisti a um filme maravilhoso - "Mentiras Sinceras". Estava insone, o que no meu caso é comum, e estava vendo toda a programação da TV, enquanto ouvia música e rabiscava coisas no papel, quando deparei, de repente, com essa pérola.
Mentiras Sinceras (2005) é um drama inglês dirigido por Julian Fellowes e protaginozado por Emily Watson e Tom Wilkinson. Tem um roteiro enxuto e preciso (84 min) e faz uma abordagem elegante das relações humanas, conseguindo condensar de forma digna temas como traição, assassinato, roubo, doença terminal, lealdade e amor.
O nome me chamou à atenção e comecei a pensar que ele não é tão incoerente como se pode julgar num primeiro momento. Pode haver mentiras sinceras? E refleti: quantas vezes as pessoas são levadas a mentir por algo maior do que elas, uma necessidade, e depois isso as engole e as imobiliza - e então sufocadas pela mentira, só lhes resta debulhar a verdade, que permite a redenção?

O filme começa com uma paisagem tipicamente inglesa e a câmera vai fechando de uma maneira tão austera que me lembrou "Vestígios do Dia" (1993) - uma obra prima, de James Ivory, com Anthony Hopkins e Emma Thompson. De início, o narrador, que é um dos personagens centrais da trama, diz: "Nenhuma vida é perfeita, embora possa parecer. Os segredos escondem-se por baixo das superfícies suaves. Nisso, como noutras coisas, a minha vida não foi exceção". Ajeite-me na cama e pensei "esse vai ser bom". E realmente foi muito bom ter ficado zapeando até aquela hora.

O enredo não é tão fabuloso e algumas pessoas poderiam julgar os diálogos monótonos, sobretudo porque normalmente as pessoas querem movimento, eletricidade, rapidez. Em Mentiras Sinceras, a grande marca é a tensão. A tensão nas palavras, nos gestos, nas expressões é a grande costura do filme, que aborda com profundidade aspectos da vida cotidiana, como um casamento marcado pelo peso da convenção, em que há traição e amor ao mesmo tempo, dores, mágoas e ressentimentos, mas também perdão; fala de amizade, gratidão e compaixão; aborda abnegação e entrega; questiona como nossas ações podem ser diferentes com relação a uma mesma situação, dependendo do que está envolvido; mostra como somos capazes de arrumar argumentos diferentes e até opostos para justificar o mesmo fato, dependendo da motivação.
Muitos ingredientes dão ao filme um tempero especial: uma fotografia belíssima, a excelente caraterização das personagens, uma direção correta, responsável certamente por explorar bem a atuação das personagens, a articulação do texto e a maneira como o enredo progrediu, de modo a fugir ao lugar comum.
Mas há uma cena no final que vale o filme todo - bastaria essa cena, tão bem dirigida e repleta de entrega e sentimento para justificá-lo. Um homem, parado na chuva, diz a uma mulher tudo o que deveria ter dito há muito tempo, tudo o que ela deveria ter escutado, toda a sua verdade interior. Que maravilha! Fiquei emocionada. Extasiada. E pensei em como é importante falar. E em como isso é libertador para quem ouve. O silêncio é opressor, o silêncio aprisiona, o silêncio mina todas as relações.
Temos medo talvez de nos revelar, de dizer o que sentimos, de nos desnudar. Vamos nos escondendo atrás de capas de silêncio e não conseguimos romper essa casca que nos engessa e nos impede de ter relações intensas e verdadeiras.
Falar o que se sente, o que se deseja, o que se pensa é um ato de generosidade. Quantas vezes deixamos de dizer aos nossos filhos que os amamos, a algum amigo que o perdoamos, ao marido ou à esposa que sentimos muito? Quantas vezes não calamos, deixando de dizer que sentimos falta de alguém? Quantas vezes, boicotando nosso sentimento, não conseguimos dizer que estamos apaixonados? Deixamos o outro com uma dúvida mordaz. E, com isso, o aprisionamos e deixamos de viver o real e válido da vida. E, então, lembro aqui de Lya Luft, escritora gaúcha, que diz: " Boa parcela dos sofrimentos entre as pessoas nasce do desencontro e da incomunicabilidade".
É isso. Falar é um gesto de amor.