Estava outro dia no banco onde tenho conta, sentada, esperando ser atendida. Ia fazer umas operações e aguardava o gerente. Enquanto isso, eu, que leio até bula de remédio, comecei a me entreter com a leitura dos panfletos que vendiam os produtos oferecidos pelo banco: seguro, capitalização etc. Um deles, o que falava de previdência, me chamou à atenção. Na verdade, o texto era simples e não oferecia nada muito diferente do que as outras previdências existentes no mercado; falava, como todas as outras, dos seus benefícios, discutia sobre qual o melhor regime tributário, considerava como poderia ser a aplicação, se a fundo conservador, moderado ou agressivo, enfim, o trivial. E, então, me deparo com um produto que pode não ser novo, mas eu ainda não tinha visto: o Prev Mulher.
Pensei comigo: um modelo de previdência privada específica para mulher? Interessante. Somos mesmo tão diferentes do gênero que nos acompanha nessa trajetória sócio-histórica e, por que não (?) galáctica, que precisamos de um plano de previdência específico para nós? Óbvio que, como integrante desse grupo especial que tem até plano de previdência próprio, fui ler com atenção, já pensando: "que é que eu estou fazendo que não tenho um Prev Mulher?", "Mas que tipo de mulher eu sou?" Até porque o texto dizia que esse é um produto inovador e eu, que jurava estar inserida no contexto da pós-modernidade, ainda não possuía esse produto que me inscreve, por seu caráter inovador, nos códigos do mundo moderno.
E então, com a melhor expressão de pasmo absoluto, leio as vantagens que esse tipo de previdência pode me conferir ao me garantir assistências exclusivas: orientação nutricional, descontos em rede de estética, assistência Pet e, o melhor, serviço "Seu Ajudante" para reparos e instalações.
Fui forçada a sorrir porque era claro que se tratava de uma piada! Mas depois, novamente lúcida, lembrei que nada naquela instituição estava relacionado ao humor. Todas aquelas gravatas e saltos ultrafinos jamais permitiriam que brincadeiras saltitassem naquele recinto. Ali era lugar para coisas sérias. Nada de risos. Cenhos franzidos e expressões severas eram mais apropriados.
Foi então que pensei que aquilo era algo realmente muito sério. Séculos de opressão feminina, de recalque, de discriminação contra a mulher não poderiam ser superados por meros sutians queimados. É preciso mais que isso. Mudar a mentalidade medieval sobre o papel da mulher ao lado (veja bem: nem acima nem abaixo) do homem no mundo contemporâneo talvez seja uma tarefa mais difícil do que supomos.
Não precisamos do Prev Mulher ou precisamos tanto quanto os homens. Os benefícios garantidos por esse produto não são, na verdade, exclusivos da mulher. São todos benefícios legítimos. Realmente, parece haver lucro, há uma contrapartida razoável, embora não seja essencial, mas é um supérfluo que garante comodidade e conforto, para ambos os gêneros (para o homem tanto quanto para a mulher). Há, portanto, um equívoco no nome do produto.
Ou então um equívoco na visão que se tem da mulher. O que subjaz ao discurso do Prev Mulher? Orientação nutricional: as mulheres estão sempre preocupadas com a balança, têm medo de engordar, são compulsivas por shakes e dietas de todos os astros do sistema solar (entre as quais a da lua, sem dúvida, é a campeã), sofrem porque não conseguem entrar mais na calça tamanho 38, de quando tinha 17 anos, e usam o tamanho 40 deitando na cama pra fechar o zíper porque se negam a comprar o tamanho 42 (preferem a morte!). Desconto em rede de estética: preocupação nº 2 na vida da mulher (associada à 1ª) - cabelo, unha, pele, medidas. Assistência animal: depois da lancheira dos filhos, a maior preocupação da mulher seria que xampu comprar para o totó? Serviço "Seu Ajudante": enquanto o marido se preocupa com coisas realmente importantes, a mulher, dedicada à casa, se beneficia com a ajuda doméstica garantida pelo Prev Mulher.
Então continuei em meus pensamentos profundos: ou eu não sou mulher (e descobrir isso 40 anos depois me exigiria alguns anos de terapia) ou tem alguma coisa errada com o Prev Mulher. Porque uso tamanho 42 sem traumas; vou ao mesmo salão há anos para retocar minhas luzes douradas de que tanto gosto, mas ainda que mantenha minhas unhas limpas (higiene é fundamental!), nem sempre tenho paciência para ficar 1h na manicure só para escolher o esmalte da moda e estou devendo uma visita ao dermatologista (ai, ai, as rugas!), que vivo adiando - tem sempre coisa mais importante pra fazer; acho fofos cachorrinhos e gatinhos, mas não me dedico tanto a eles; e, pasmem: sei trocar lâmpada, desentupir pia, consigo com alguma facilidade trocar os móveis da casa e consertar coisas simples. Tenho certeza (ou quase) de que não tomei nenhum elixir ou fiz parte de alguma experiência genética. Já meu irmão, 8 anos mais novo, é um espécime interessante: casado, duas filhas, lindo de morrer (ou de viver), cabra macho (por opção), faz as unhas toda semana, adora cremes e perfumes, é fiel à nutricionista, tem sua dieta colada à geladeira, é incapaz de trocar uma lâmpada, encanamento nem pensar, e só não tem um frufru pra passear no calçadão e comprar as novidades do pet shop porque é alérgico, mas tenho certeza de que sonha com isso.
Há algum problema nisso? Então seria meu irmão um cliete potencial mais adequado ao Prev Mulher do que eu? Mas embora ele não tenha nenhum dúvida com relação à sua sexualidade, não é adequado um produto que não se dirige a ele, que não o engloba.
Meu irmão não é excessão. Como disse, frequento o mesmo salão há anos - sim, fidelidade é uma de minhas qualidades - e conheço muitos homens que também o frequentam há tanto tempo quanto eu. Eles já foram chamados de metrossexuais, como se fossem uma espécie diferente, andróginos. Isso é, como toda forma de preconceito, um absurdo dos grandes e uma ignorância indizível.
Cuidar da saúde, da beleza, gostar de animais, não saber ou não gostar de fazer serviços domésticos, como reparos ou instalações, nada disso é exclusivo do público feminino. Pensar assim é evocar a visão estereotipada da mulher como se esta só se interessasse por coisas consideradas fúteis. Pensar assim não é inovar, é retroagir, é manter-se preso aos códigos do século XIX.