Aconteceu. Dois olhos se tocaram na brevidade de um instante fugaz. E então o inesperado (?) aconteceu. A eletricidade provocada pelo encontro dessas retinas gerou um não sei quê de sensações, a partir das quais esses olhos não pararam mais de se procurar. Tudo tornou-se turvo e no momento seguinte límpido, clarificado pelas incertezas inquietas dos corações sobressaltados. Desde então, dúvida e certeza coexistiram na ambivalência do sentimento recém-nascido. Quem poderia asseverar a natureza do olhar? Não se sabia, e ainda assim se sabia (ou se queria saber, quem sabe?) que era real, que havia concretude, reciprocidade de sentimentos.
O desejo passou a povoar a mente e o corpo de ambos. Passou-se a sentir uma necessidade de se ver, ainda que em tímidas situações. Uma necessidade de confirmar a existência do outro, de reafirmar o que se sentia, de acalmar a desordem interior que acomete as almas dos que amam sem se revelar.
O mundo como que parava, parecia haver um universo paralelo onde ambos se encontravam apenas um na presença do outro, cercados por uma atmosfera diferente e intensa. As demais pessoas não existiam propriamente. Estavam lá, mas como não eram percebidas, não existiam de fato; perderam-se na distração de ambos.
Se sentir é estar distraído, só se apaixona quem é surpreendido em sua distração. De repente, alguma coisa chama à atenção e fatalmente vai-se alinhavando a outras pequenas coisas, situadas entre o dito e o não-dito. Depois de instalado o sentimento, uma série de reações passam a fazerem-se presentes, um aceleramento das batidas do coração, um leve rubor nas faces, um amolecimento nas pernas, uma sensação estranha no estômago. Tudo tão ruim e tão bom ao mesmo tempo, que só para sentir o acelerar do coração diante do ser amado vale a pena ter nascido. Foi assim com eles.
Primeiro, com medo de se denunciarem, passaram a exercitar o faz-de-conta da dissimulação. Entretiveram-se em fingir que não sentiam o que de fato sentiam, que não queriam o que de fato queriam. Paradoxalmente, os olhares procuravam-se e esquivavam-se ao mesmo tempo. Mostravam-se displicentes um em relação ao outro. Mas eram péssimos atores.
Depois, começaram a desejar revelar-se mudamente um ao outro. Era uma necessidade fazer o outro assegurar-se do real sentimento. Queriam a todo custo dizer sem palavras o quanto se gostavam, o quanto precisavam um do outro. Muito desejo e muito medo na insustentável leveza da paixão.
Bastou um sinal para que suas mãos se entrelaçassem, para que se afagassem ternamente, para que suas bocas se calassem uma na outra. Nenhuma palavra precisou ser dita.
De repente, tudo ficou como deveria ser, como não podia deixar de ser, como já era antes de acontecer. E o que se viveu depois foi tão intenso e profundo, que foi suficiente para alimentá-los para o resto de suas vidas. Não se sabe se permaneceram juntos para sempre; não era o conto de fadas que se desejava. Sabe-se tão somente que se sentiram plenos, foram invadidos pela vida, preenchidos na alma, e nunca mais foram os mesmos. Uma nova realidade se fez, com a certeza de que foram, cada qual, para sempre felizes.
Ana Paula Sobreira
Ana Paula Sobreira
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