segunda-feira, 27 de junho de 2011

Amigo é coisa pra se guardar no lado esquerdo do peito

Passei algum tempo distante do ambiente virtual, dedicada que estava aos festejos juninos e a acompanhar uma nova amiga, que veio do Acre para cá, aproveitar o feriado de São João. Fui a diversos locais - os mais pitorescos e representativos de nossa cidade e também os mais animados - foi uma maratona deliciosa, embalada por muito forró pé-de-serra. Eu a conheci por intermédio de um amigo comum. Passamos oito dias juntas e nos tornamos muito próximas. Isso me fez pensar em como é importante ampliar nossa rede de afetos e nos permitir desnudar, deixar que o outro nos encontre, nos conheça e nos olhe nos olhos, de modo que possamos criar laços de ternura - isso nos preenche, nos torna maiores. Conversamos muito e, para além dos momentos de descontração, nós pudemos checar nossas afinidades e nos enredar nelas, além de perceber nossas diferenças, e crescer com elas, já que estas possibilitam um alheamento de nós e, consequentemente, nos fazem vislumbrar a vida pelo olhar singular de outra pessoa, alcançando outros ângulos possíveis de visão. É incomensurável o valor de uma amizade. Não somos ilhas, somos seres de relação - seres altamente complexos, prenhes de idiossincrasias, mas seres que precisam com urgência de outros seres, seus semelhantes - precisamos de toque, de olho no olho, de gestos, do som da voz, de sorrisos e lágrimas compatilhados, de palavras, de sentimentos externados. Isso nos estrutura, nos acolhe, nos dá guarida. Nada melhor do que ter amigos - para fazer qualquer coisa juntos, ou mesmo nada - só sentindo a presença que reconforta e o silêncio que compreende. Podemos nos entender só pelo olhar: o olhar que concorda, que adere, que consente, que nega, que repreende, que nos coloca no devido lugar, que se faz cúmplice, que diz "estou aqui, conte comigo".

Fui, em decorrência do ensejo dessa reflexão, procurar o que outros disseram a respeito de amizade - queria que outras vozes encorpassem o que eu penso sobre ter amigos - e me deparei com uma lista impressionante de pensamentos os mais diversos. Retirei alguns para compartilhar com todos.

O poeta Sêneca, um dos maiores escritores do Império Romano, nascido em 4 a.C., disse: "se quer ser amado, ame". Pensei na hora - que coisa tão simples e tão fantástica - é isso: é importante cuidar do outro, fazer o outro feliz, amar sem preocupação com o troco - em consequência disso, é amor que vamos receber. Quando somos delicados e tratamos as demais pessoas com amabilidades, recebemos o mesmo tratamento. Não há mistério nisso. Aristóteles, filósofo grego, já afirmava: "alguns pensam que para se ser amigo basta querê-lo, como se para se estar são bastasse desejar a saúde". Ou seja: é preciso cuidar. Por que então fazer diferente? Que sentido há nisso? Por que não nos ocupamos em construir boas amizades? François de La Rochefoucauld (1613 - 1680), príncipe de Marillac, disse, certa vez, "um verdadeiro amigo é o mais precioso dos bens e, igualmente de todos, aquele que menos nos preocupamos em adquirir". É como se achássemos que somos autossuficientes, não precisamos de ninguém, muitas vezes erguemos em torno de nós um fosso que nos dá uma distância regular de outras pessoas, num ledo engano de estarmos seguros, a salvo dos outros - mas não de nós mesmos. Tristeza e solidão, além de uma existência rasa e estreita - essa é a recompensa por agir assim.  Às vezes, é o medo de exposição, como se pudéssemos nos esconder todo o tempo ou como se o fato de estar escondido nos desse algo de bom. Como diz Joseph Newton, "as pessoas são solitárias porque constroem paredes ao invés de pontes". Ou medo de se magoar, de que a amizade não seja verdadeira. No entanto, há um provérbio chinês que diz: "se um amigo deixa de o ser, é porque nunca o foi verdadeiramente". Então, não há ex-amigo. Amigo de verdade está sempre lá - não importa distância, não importam as diferenças, ele está sempre a nos favorecer com sua amizade e com ele podemos contar. Aliás, como já sugeri, as diferenças nos ajudam a nos entender também; quanto a isso, George Herbert (1593 - 1633), poeta e sacerdote galês, disse: "o melhor espelho é um velho amigo". Mas, sem dúvida, é acolhedor reconhecer nossas afinidades,  pensar que temos par nesse mundo, que nossa voz encontra eco, que nossos pensamentos são compartilhados por outros. Goethe, escritor alemão de fins do século XVIII, afirmou que "conhecer alguém aqui e ali, que pensa e sente como nós e que, embora distante, está perto em espírito, eis o que faz da Terra um jardim habitado". É isso: a amizade dá colorido à vida, faz com que nossa existência seja mais rica e mais florida, nos dá viço e aroma. Portanto, como diz um provérbio nigeriano: "segure um verdadeiro amigo com ambas as mãos". Não permita que ele se vá, não o desampare, não deixe que a oportunidade de tê-lo junto a si desapareça. Cuide dele e dê a ele o que ele precisa: dê seu carinho, sua palavra de conforto, sua confiança - tão absolutamente fundamental para o estabelecimento maduro e concreto das relações humanas. Como na música de Alcino Alves e Rossi, Semente do Amor: "é como a flor, / de água e ar,  / luz e calor  / o amor precisa para viver, / de emoção e de alegria / e tem que regar todo dia".

No entanto, é preciso desejo: de ser e de ter amigos, como nos adverte muito sabiamente Karol Wojtyla (Papa João Paulo II): "o amor, no seu conjunto, não se reduz à emoção nem ao sentimento, que não são senão alguns dos seus componentes. Um elemento mais profundo e, de longe, o mais essencial de todos, é a vontade, que tem o papel de modelar o amor no homem. Na amizade - ao contrário do que sucede na simpatia - a participação da vontade é decisiva".

Há uma música linda, de Mílton Nascimento e Fernando Brant, que representa bem o que é a amizade - "Canção da América". Quero oferecer como presente a todos os meus queridíssimos amigos, aos que já tenho e aos que desejo que a vida ainda me permita cultivar.

Beijo no coração de todos.



CANÇÃO DA AMÉRICA
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.






Barrinha MaynaBaby

Nenhum comentário: