SOU FIO DAS MATA, CANTÔ DA MÃO GROSA
TRABAIO NA ROÇA, DE INVERNO E DE ESTIO
A MINHA CHUPANA É TAPADA DE BARRO
SÓ FUMO CIGARRO DE PAIA DE MIO.
SOU POETA DAS BRENHA, NÃO FAÇO O PAPÉ
DE ARGUM MENESTRÊ, OU ERRANTE CANTÔ
QUE VEVE VAGANDO, COM SUA VIOLA,
CANTANDO, PACHOLA, À PERCURA DE AMÔ.
NÃO TENHO SABENÇA, POIS NUNCA ESTUDEI,
APENAS EU SEIO O MEU NOME ASSINÁ.
MEU PAI, COITADINHO! VIVIA SEM COBRE,
E O FIO DO POBRE NÃO PODE ESTUDÁ.
MEU VERSO RASTERO, SINGELO E SEM GRAÇA,
NÃO ENTRA NA PRAÇA, NO RICO SALÃO,
MEU VERSO SÓ ENTRA NO CAMPO DA ROÇA E DOS EITO
E ÀS VEZES, RECORDANDO FELIZ MOCIDADE,
CANTO UMA SODADE QUE MORA EM MEU PEITO.
Um dos maiores poetas populares do Brasil, Patativa do Assaré tem uma obra riquíssima, de valor inestimável. Nascido em 1909, no Ceará, faleceu aos 93 anos, em 2002, e ampliou, com sua obra, o nosso caldo cultural com suas composições.
Alfabetizado aos doze anos, e tendo passado apenas quatro meses numa escola, Patativa fez a grande viagem do mundo da leitura para a leitura do mundo. Sua poesia é uma poesia cidadã, política, não no sentido militante do termo, panfletário, mas no sentido de compreender seu estar no mundo e usar sua voz para falar de grandes temas sociais – sua poesia é um canto de liberdade que ecoa nos corações de que a lê.
Violeiro desde menino, fazendo repentes e apresentando-se em feiras livres, o poeta Antônio Gonçalves da Silva, que por uma doença teve um olho cego aos 4 anos, recebeu, aos vinte, numa visita a Belém, o nome de Patativa, pela associação feita de seus poemas com o belíssimo canto dessa ave.
O poeta passou quase sua vida toda no sertão do Cariri, tendo vindo para cidade apenas aos setenta anos. Como diria Fernando Pessoa, por Alberto Caeiro, “o Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. Assim pensava Patativa. Da sua aldeia, cantava o mundo e por isso universalizou-se. Seu canto é atemporal, é o registro da fantástica união do ancestral com o atual, do clássico com o épico, tratando temas diversos com uma ética sertaneja que o torna contemporâneo de todas as épocas.
Trecho de A triste partida, eternizado na voz de Luiz Gonzaga:
...Sem chuva na terra
descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão
Entonce o rocêro,
pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não!
Apela pra maço,
que é o mês preferido
Do Santo querido,
Senhô São José.
Mas nada de chuva!
Tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
Agora pensando
segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a São Palo
Vivê ou morrê...
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