O meu olhar é nítido como um girassol
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direira e para a esquerda
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E sei dar por isso muito bem.
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança, se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se faz para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914.
Alberto Caeiro é um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Na biografia que Pessoa criou para Caeiro, este só tem o curso primário. Mas seu modo de expressão revela uma maturidade intelectual superior. Alberto Caeiro é o mais objetivo de todos os 127 heterônimos de Pessoa.
Caeiro é um poeta ligado à natureza, como ele diz: “um guardador de rebanhos”, considerando importante ver a realidade sempre de forma objetiva e natural. É avesso ao pensamento filosófico, declarando-se um antimetafísico, uma vez que, segundo o poeta, quando pensamos entramos num mundo obscuro e incerto, Caeiro diz textualmente “pensar é estar doente dos olhos”. Para o poeta, a única realidade é a sensação, o conhecimento sensorial – “pensar é não compreender”.
Neste texto, Caeiro fala da abrangência do olhar – em periscópio = olhar em todas as direções, oportunizada pela figura do girassol. O girassol é uma flor nítida, com pétalas destacadas, com cores fortes, intensas, definidas, que sempre se volta para a fonte de luz.
Algumas imagens são particularmentes bonitas nesse poema:
“Sei ter o pasmo essencial / Que tem uma criança, se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras...” – o pasmo essencial é algo indescritível – é a capacidade que temos de nos surpreender, de nos maravilhar diante do novo, de nos encantar. O que se complementa quando o poeta diz: “Sinto-me nascido a cada momento / Para a eterna novidade do mundo...”. É interessante que, embora se declare antimetafísico, seja avesso ao pensar, essa capacidade de se surpreender com o novo, de estar nascido para a eterna novidade do mundo, é típico do pensamento filosófico. No entanto, a proposta de Caeiro é que isso se dê não mentalmente, mas no plano sensorial. É, portanto, o poeta das sensações; a sua poesia sensacionista assenta na substituição do pensamento pela sensação: "Sou um guardador de rebanhos / O rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações").
Alberto Caeiro é o grande mestre, em torno do qual se determinam todos os outros heterônimos da obra de Pessoa.
Alberto Caeiro é o grande mestre, em torno do qual se determinam todos os outros heterônimos da obra de Pessoa.
Biografia criada por Pessoa para Alberto Caeiro:
Nasceu em 16 de Abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até a 4º classe. É louro, de olhos azuis, com estatura média, pouco mais baixo que Ricardo reis (heterônimo pessoano). Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso. No Ribatejo, encontra-se com Álvaro de Campos (outro heterônimo). Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915, quando contava apenas vinte e seis anos, de tuberculose. [wikipedia.]
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