O que acontece com o coração apaixonado? Que estranhas transformações ocorrem no imo de cada ser que, de repente, se vê entrelaçado a outro, inexoravelmente? Como, em que momento, por que nos apaixonamos, ainda que tentemos evitar, ainda que não esperássemos por isso, ainda mesmo que não tenhamos desejado o acontecimento da paixão?
Dizer que o coração tem razões que a própria razão desconhece é shakespeariano demais em tempos hodiernos, mas assim que nos deparamos com um sentimento que vai, como formiguinha, lentamente, pacientemente, continuamente, tomando conta de nosso coração, apossando-se dele, fazendo dele sua morada, então descobrimos que há mais verdade nessas palavras do que supunha nossa cínica desconfiança, nossa prepotente visão.
E então, ficamos sem saber o que fazer, somos apanhados de calças curtas, temos medo de reagir, de nos denunciar, de fazer o suposto ridículo papel de nos mostrar sem máscara, sem o conveniente véu das convenções. E tudo vai crescendo ao ponto de ficar insuportável, de tornar doloroso o calar, o evitar, o afastar-se, o reprimir, o sufocar, o inibir.
O que nos resta nesse estágio? Diante da constatação de que não há mais saída, de que é preciso decidir o rumo a tomar, nem sempre escolhemos o óbvio da felicidade, nem sempre nos determinamos a enfrentar nossa insegurança e preferimos deixar passar a chance de viver intensamente, com medo do que poderia nos acontecer de mal. Assim, passamos nossa vida em brancas nuvens, sem de fato tê-la vivido.
É preciso fazer o caminho inverso. É preciso dar vazão ao caudaloso rio dos sentimentos profundos, da paixão inesperada, às vezes até associada ao impróprio e ao proibido. Mas o que é impróprio no amor? O que é proibido na paixão? Sentimento nem sempre se explica, não se pode a ele aplicar leis ou querer torná-lo exato como um teorema matemático; é preciso permitir que ele aconteça e explorar suas profundas entranhas para ser feliz, do contrário passa-se a vida toda com o amargo gosto da desilusão, do que poderia ter sido, e não foi. Não adianta mesmo reprimi-lo ou sublimá-lo, pois mesmo que não se revele ele está lá, continua latente em sua mudez, permanece vivo gerando emoções, sensações, dores, e em vez de alegrias, provoca sofrimentos, e no fim de tudo, mostra-se sem querer, no implícito dos olhares, do discurso velado, dos leves toques de mãos, dos tímidos sorrisos, dos gestos simples, dos afagos reservados, dos abraços cheios de desejo.
Permitir-se ser feliz, mesmo que o mundo ordene o contrário, é a atitude que se espera de quem veio ao mundo para viver em plenitude.
Nenhum comentário:
Postar um comentário